quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Rio Preto em cima do salto


Num dos belos textos de Cora Coralina, "Conclusões de Aninha", muito simples e sabiamente ela nos conta sobre coisas que vivemos todos os dias.
"A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar.Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada, o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscoso e ensinar a paciência do pescador.
 Você faria isso, Leitor?
 Antes que tudo isso se fizesse  o desvalido não morreria de fome?
 Conclusão:
 Na prática, a teoria é outra."

O texto  vem recheado com sabedoria suficiente para nos levar à várias reflexões e a tirar também nossas próprias conclusões.

Em Rio Preto, por exemplo, os jornais dos últimos dias apontam para grandes novidades que deverão mudar a vida de muitos riopretenses.
Um entreposto da Zona Franca de Manaus, grande investimento do Governo do Estado, deverá fortalecer ainda mais o comércio da cidade, atrair o investimento das cidades vizinhas, e favorecer diversos setores com o crescimento do capital circulante. Também teremos, segundo nosso prefeito, um novo aeroporto com maior capacidade, uma nova rodoviária, além da obra imensa e jamais realizada na cidade para acabar com as enchentes, que já vem acontecendo há alguns meses. Claro que as  custas de algumas árvores nativas que foram arrancadas, da concretagem do rio, e com uma certa "imprevisibilidade" sobre a conclusão da obra (será que termina antes do fim deste mandato? será que as enchentes não serão apenas empurradas para a boa e velha zona norte?).
Ah não, eu já ia me esquecendo, a zona norte agora terá um Shopping Center, não poderia correr o risco de ser inundada novamente pelas enchentes.
Rio Preto parece se preparar para saltos altos (salto agulha, será?).
Só o que parece não mudar por aqui é a vida real, esta que pulsa e ferve nas noites e nas ruas riopretenses. Não muda e parece não incomodar muita gente.
O Carnariopreto liberou a entrada de menores desacompanhados. Ano passado foi proibido, mas os pais entravam com eles e depois saíam, deixando-os lá, e a justiça foi feita de boba.  
"A justiça é cega mas tem as mãos limpinhas", essa deve ter sido a teoria utilizada para a liberação deste ano.
"Os pais que se responsabilizem por seus filhos" ou "Quem pariu Mateus que embale" não é?
E assim caminha a humanidade.

Sempre pensei que zelar pela vida, pela liberdade de ir e vir, pelos direitos de cada cidadão de ter seus direitos respeitados e preservados, fosse função não apenas de cada indivíduo mas especialmente das pessoas a quem escolhemos em pleito para nos representar, dos magistrados que pagamos (e caro) para fazer as leis e fazê-las cumprir, e enfim, daqueles que juraram em suas posses e formaturas um compromisso com a verdade, com a vida, e blá, blá, blá, blá, blá, blá....

É, pensar as vezes custa caro. As vezes dói, revolta, e muitas vezes nos faz perceber que tem gente demais pensando de menos. De que me vale o entreposto da ZFM, o Shopping Iguatemi, o novo aeroporto, a nova rodoviária, se não posso sequer levar meu filho à praça do meu bairro, que fica a meio quarteirão de casa? Os "mano" tomaram conta dela. Rola por lá "uns baseado" da hora... das três, das quatro, das seis (da tarde).
Na entrada da escola, do lado de fora, o cheiro característico não é das meninas perfumadas nem dos meninos saradões, suadões da malhação, mas da canabis que vai de mão em mão nas rodinhas, sem que ninguém se intrometa ou se manifeste contra. Ai de quem o fizer.

Sem contar nos horários de rua vazia, cedinho ou madrugada, quando não é dificil ver-se um pulando o muro da escola, enquanto o outro "vigia". Viatura da polícia por aqui, vez ou outra até tem. Eles dão uma passadinha, tipo, visitinha de médico. "Pra quem é..." o resto a gente conhece bem.

Mas o que será que todo esse trololó tem a ver com o texto da Cora? Pois é.
As novas obras, dizem, trarão para a cidade milhares de novos empregos.
Então, para que se preocupar em tirar os jovens das ruas? Para que acudir a urgência, se há tempo suficiente para mostrar o caminho do trabalho e da dignidade e esperar que eles aprendam a "pescar"?
Cada um que cuide da sua urgência, das suas crias, das suas mazelas.
O poder público não tem a obrigação de cuidar dos filhos de pais negligentes, mesmo que estes (os filhos) estejam nas ruas (vias públicas, e portanto responsabilidade do poder público), se prostituindo, se drogando, aliciando outros mais jovens, e se matando.
Há coisas bem mais importantes para se fazer. Shoppings Centers, por exemplo.

É muita conivência, para tão "pouca" cidade. Muito caviar, nesse angu de caroço.

Monica San

Para ler "Conclusões de Aninha" acesse: http://www.releituras.com/coracoralina_aninha.asp

http://www.diariosp.com.br/_conteudo/2010/09/7310-cidade+recebera+entreposto+da+zona+franca+de+manaus.html

http://www.riopreto.sp.gov.br/PortalGOV/do/noticias?op=viewForm&coConteudo=58834